domingo, 28 de setembro de 2008

Obrigação

"O tempo não me deixa mentir, muito menos esquecer. Estamos unidos de qualquer forma. Poucos dias, poucas noites. Muito para dar e muito a receber.

Não posso confundir mais amor e amizade. São dois opostos que se atraem pela permanência comum. Um do lado do outro. Companheirismo, alegria e saudade. Não nego a obrigação de me sentir livre, sem detrimento, sem necessidade em me prender. Queria ser livre, mas o homem na sua existência necessita de outra pessoa do seu lado para viver. Se não fosse assim, não casaríamos, não procuraríamos uma pessoa e muito menos nos apaixonaríamos. Se apaixonar por si mesmo todos os dias é como uma árvore, permanecemos inertes, fixos no mesmo plano.

Apaixonar-se por outra pessoa, procurar nas ruas escuras um ponto de luz, um sorriso aberto e braços que te darão calor é mais satisfatório. Você se sente útil, se liberta do lugar fixo em que foi plantado. Porém podemos sofrer com o corte dos seus galhos mais antigos que nos impedem de crescer.

É assim que me sinto. Impedido de crescer, de me apaixonar. Ainda não souberam cortar as arestas corretas. Não me apresentaram o novo que deveria vir.

O novo chegou. Abracei fortemente e me apaixonei. Senti o que há muito tempo não sentia. Senti calor, carinho, afeto... O respiro profundo dos corpos juntos e o sorriso mútuo após o beijo.

Não deixei esse novo partir. Segurei firmemente, como se fosse uma oportunidade única que eu teria. Mas me senti obrigado a me apaixonar.

Obrigações que deveria cumprir para poder ser feliz. Ou um pouco.

Não me obrigaram a nada. Não quis obrigar ninguém a se adequar a mim. O bom é perceber que árvores, folhas caídas pássaros e o olhar de duas pessoas se completam. Sentar no mesmo banco da praça, olhar do lado e sentir que aquelas árvores a nossa volta se movimentam lentamente com o vento da primavera, os pássaros que cantam recepcionando o sol que aquece o ninho feito com carinho, as folhas no chão começam a se mover com a leve brisa que bate nos rostos que se esquentam com os raios do sol, que por sua vez iluminam e colorem de um tom amarelado o olhar dos dois.

Sem sequer um toque, os dois sabem que estão ali um pelo outro. E não precisam fazer nada para demonstrar esse suspiro de inspiração. Não é necessário nenhum impedimento, nenhuma troca de favores. Tudo é implícito pelo sentimento que os une. Diferente das obrigações que deveria cumprir. Do pacto que me deixou sem a verdade, a realidade. Diferente de tudo.

Queria sentir pelo prazer de sentir. E não sentir prazer pelo prazer. Tenho medo de ter me perdido diante do meu passado e não saber o que deveria ter feito. Meus medos não me apavoram mais e não choro mais. Mas meus medos estão presentes em algum lugar escondido em mim que ainda preciso descobrir. Cada dia fica mais difícil. Escondi tão bem que os perdi, e na volta para a realidade, devo ter me perdido.

Perdi algumas partes do que eu era. Perdi partes que foram partidas, divididas e escondidas. Uma das partes que gostaria de encontrar é o que diz respeito à confiança. O contrário da confiança é o pacto de obrigação. Quando obrigamos alguém a fazer alguma coisa, não confiamos na capacidade dessa pessoa de se entregar totalmente. E quebramos cada vez mais a entrega plena e a confiança que cresce se torna um pacto de necessidade pessoal.

O companheirismo deixa de existir para dar lugar à pequena vontade de um rei que não existe. Um rei que domina um espaço que seria dele se ele não fosse tão autoritário e não fizesse de seus súditos um poço de obrigações.

Não quero ser obrigado a me prender a ninguém. Não quero ser obrigado a gostar de ninguém e muito menos ser fiel por apenas estar junto. Quero ser fiel por realmente gostar. Quero me prender naquelas lembranças dos dias frios e escuros que passamos juntos, olhando para o horizonte de imaginando um futuro não tão distante. Quero apenas sentir aquele calor saindo do corpo e sendo exalado pelo prazer do toque. Nada por obrigação.

Não quero construir pactos. Não quero ser obrigado a nada.

Obrigação que realmente nós temos é de confiar no que sentimos e sermos cegos para correr por uma via iluminada pintada de vermelho. Apenas devemos nos entregar."

(Texto produzido dia 27/09/2008)