terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A última carta

"Ele sentava finalmente para escrever a última carta que queria. Definitivamente seria a última, pensava. Mas a vida apenas estava começando, e aquela poderia ser apenas mais uma de várias que redigira ao longo da sua jornada.

Finalmente criava coragem de expor o que sentia, o que estava nas suas costas. O peso de uma difícil tarefa em ser o que não queria. Em ser o que nunca chegou a ser. Isso doía, os olhos no horizonte denunciavam a dor junto com as lágrimas que prometera nunca mais chorar. E não chorava. Elas eram contidas nos pequenos olhos que apenas esperavam uma segunda chance para ser feliz. Esperar era o suficiente, mas agora não era bom o bastante para saciar-lo.

A folha em branco dentro da gaveta entre outras, um simples papel que esperava também. Esperava ser pega e usufruída. Delicadamente, como quem pegasse um grande objeto de valor, ele colocava a folha que insistia em voar devido ao ventilador que estava ligado. O calor tomava o ar e fazia dele mais insuportável para quem esconde tanto dentro de um pequeno lugar: o coração. Ao mesmo tempo em que parecia querer explodir com as palavras, com os adjetivos, apenas queria ser um verbo, apenas que sentir, ser sentido, ouvir e ser percebido.

O que escrever afinal para alguém que já sabe de todos os verbos, de toda a intransitividade compatível entre amigos. Amigo. Palavra que sempre dói, como uma ferida que cicatriza dolorosamente no tempo. Machucado que foi aberto e custa a melhorar, porque sangra continuamente diante da imagem do espelho que grita: “amigo”.

As palavras demorariam para sair. Lentamente, uma a uma iam compondo aquela velha folha amarela do caderno de capa dura com um desenho de um mar e um sol. O tal paraíso que todos procuram, mas que ninguém consegue chegar. Não que ninguém consiga nadar nas águas azuis e cristalinas desse imenso mar refrescante que é a felicidade. Todos podem, mas poucos têm a oportunidade de ver o sol brilhar tão nitidamente que não lhes faça queimar a pele branca e que não cegue com a luz forte nos olhos claros.

A caneta mal posicionada entre os dedos acostumados com trabalhos duros, repetitivos, mal cabia entre a robustez dos traços que deviam ser fortes, porém leves. O pequeno risco azul traçava aos poucos o caminho suave que as palavras deviam ter, longe de toda aquela impressão dura, vazia e fria dos dedos, apenas seguindo o fluxo que o coração e a mente ensinavam a procurar. A leveza de sentimentos pesados é o que ele procurava. Seria pedir demais, tamanha contradição. Mas de forma simples, escrevia o que os olhos não poderiam mais enxergar, afinal os olhos agora de nada lhe servia. O que lhe abastece vem de dentro, detrás das pupilas dilatadas em meio às lágrimas.

Seria aquela a última de todas as cartas que ele enviaria para aquela pessoa. Já havia pensado no que escrever e previu que seria a única ser enviada naquele fim de ano. E seria essa carta, como tradição, já que ano passado ele redigiu outra que lhe tocou tão fundo que nem se recorda mais o que tenha escrito. Ainda bem, pensa ele em meio à vergonha que lhe toma os dedos que largam a caneta e instantaneamente seguram a cabeça. Os olhos fixos na folha se perdem em meio a tanta informação. E o que lhe confundia não é algo que está escrito. O que lhe confunde é o vazio, o branco.

Deixar de escrever, de fazer algo, abrir mão de muitas coisas já virou rotina para ele. Aos poucos, ao longo de dois anos, ele se transformara em outra pessoa, constantemente. Quando teve que cair em si diante da realidade: não adiantava se transformar, esconder suas dores, seus desejos e colocar um grande sorriso no rosto. Nenhuma maquiagem o faria ser o que ele realmente desejava ser. Erro, pecado. Sabia que faria tudo para ser feliz. Mas não sabia até que ponto agüentaria ir por uma causa perdida. Uma guerra que não lutaria mais, não por não haver forças, mas por não ter prêmio.

E o único prêmio que ele queria era ser feliz. A tão eterna busca pelo cálice dourado, o trevo de quatro folhas, a felicidade. Se contentaria, anos depois, em ser aquele mesmo ser frio, forte, uma barreira que apenas os mais fortes poderiam sobreviver. “Feliz” foi a única coisa que tinha escrito. Um dia lhe disseram que a felicidade é nada mais do que uma saúde perfeita e uma memória fraca. Boa saúde para que fosse firme, não perdesse mais noites de sono e os vícios fossem embora. Memória frágil para poder esquecer aqueles dias de sol, de chuva, as noites, as risadas, os abraços, os olhos, as mãos inquietas.

As mesmas mãos que agora permanecem inertes. Uma sobre o topo da folha e outra entre os cabelos castanho-claros. Aos poucos, as lágrimas lhe tomavam todo o coração, derramando uma maré azul-escura sobre os sonhos, sobre o dia em que se encontraram pela primeira vez, e o sol bem frágil em uma semana de inverno, deixando com que o frio faça sua parte pela Terra.

O imenso planeta, o diferente falar, os diversos verbos. Onde estaria aquela pessoa que ele poderia abraçar tão forte para que pudesse sentir todo o calor que o verão não é capaz de exalar? Onde estaria, mais uma vez, a outra parte da moeda da sorte que se quebrou sem ser notada nas caminhadas diante o jardim verde com os coqueiros? O prazer de se sentir protegido finalmente por algo maior que todos na Terra.

Com os olhos fechados e com a música ao fundo, ele pedia para que finalmente sua cegueira fosse embora. Abriu os olhos e permanecia ali, parado, com aquela imensidão branca diante de si. Sua cegueira, mesmo com os olhos vivos, insistia. Toda aquela brancura seria o céu? E ele um anjo, que não poderia amar, sem sentir vãos sentimentos humanos? Mas ele era humano, era um simples humano. Com erros, pecados e perdão. O perdão é dos homens.

As mãos encontravam novamente a caneta que insistia em escrever mais, sem saber como. Como, seria a chave para o recomeço. Antes era “o quê”, “por que”, “onde”. Agora era o “como”. Somente isso. Como recomeçar? Ele apenas queria amar sem ser de alguma forma impedido. E isso chegava terrivelmente ao fim. Como os outros finais em que o bom e o mau estavam juntos. Onde tudo parecia perfeito, uma vez que perfeição não existe para um simples mortal.

A caneta terminava sua parte, as palavras ali escritas estavam postas. Estava tudo bem claro. Finalmente, ele se afastava da mesa lentamente com os olhos sem reação, admirando o que tinha feito. As mãos, sobre as pernas, as seguravam de forma inconfundível: estava nervoso em escrever. O que escrevera era pouco diante do que queria falar. Mas não queria mais redigir nem conversar. Seria o fim definitivo para todos aqueles que deixam para trás seus problemas. Apenas descarregou no papel o peso que carregava.

“Feliz Natal”. Tinha escrito simplesmente. Tinha tirado de suas costas a felicidade e posto a sua frente. Sem desculpas para um possível final feliz, terminava como tinha começado: tremendo, palavra por palavra, passo por passo, sentimento por sentimento. Tirava de si mesmo a necessidade incessante de se fazer compreender, de ser aquilo que não queria mais ser.

O tal paraíso, com águas claras e o sol aquecedor, ainda não tinha achado, mas o sorriso singelo no canto dos lábios denunciava a satisfação de um desejo. Tinha encontrado na folha em branco o nada que veio e lhe tirou o sossego. Não teria que mentir mais sobre o que era felicidade. Um dia, doa a quem doer, ela chegaria devagar como a caneta que tocou lentamente a folha em branco, e, nela, lhe deixou aqueles escritos. Uma última carta, um último momento. A caneta que sente a folha aos poucos e que deixa finalmente uma marca. A marca de cada pessoa na vida de outras. A marca do que foi a felicidade na vasta brancura de uma simples folha de papel. Vazia."
(Texto produzido dia 22/12/2008)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ventania

"O vento naquela semana arrastava todas as folhas das árvores que caíam. Mal elas saíam dos galhos rígidos e fortes, a ventania dava-lhes a impressão de que voavam por conta própria, como pássaros que se deixavam levar pela força da natureza. A força natural que as levava longe de onde eram para cair e, assim, unidas fazerem um lindo tapete marrom, junto com as pequenas flores amarelas que desabrochavam da copa de uma árvore frondosa qualquer.

Ao mesmo tempo em que as folhas voavam altas, ela passava devagar, devaneando pensamentos, distribuindo reflexões sobre o que ela sentia. Os cabelos loiros lisos pareciam ter vida própria. Contra o vento, eles levantavam mecha por mecha, uma para cada lado, e a franja insistia em cair sobre o rosto abaixado que desconhecia os olhares em volta. Os olhos verdes vivos permaneciam fixos no chão, apenas alterando-se a visão para as direções em que os carros entravam na rua. O movimento da rua era imperceptível para ela, já que sua cabeça apenas pensava nele. Nas coisas que ele todos os dias fazia para ela.

Não sabia direito o que pensar. Ela gostava de outro, porém se sentia sozinha. Não queria entregar-se àquela pessoa que havia conhecido há alguns dias atrás. Ela relembrava o primeiro dia em que se encontraram no escritório em que ela trabalha. Ele era novo com seus olhos perdidos que procuravam um ponto de apoio. E ela não tinha coragem de se aproximar, pois sabia que ele estava se envolvendo com sua colega de seção. Cada dia ficava mais difícil se aproximar. Ele parecia inacessível, fechado, perigoso. O primeiro sorriso trocado no happy hour da empresa após algumas poucas palavras. Ela ria sozinha caminhando pela rua. Um riso pequeno, que mal mostrava os dentes brancos e grandes cuidados com o melhor dentista da metrópole.

Após aquela pequena sinalização de uma possível aproximação, ela não conseguia tirar aqueles olhos escuros profundos da cabeça. Olhos que ela demorou a encarar, e quando o fez, deixou de lado toda sua insegurança e sua timidez. Dia após dia, ela o esperava passar pelo corredor da sua seção, lhe dar um sorriso gentil. O que, com o passar do tempo, se transformou em um apertão carinhoso no braço e um sorriso mais aberto.

Os carros buzinavam freneticamente porque um cachorro começava a atravessar a rua. Todos passavam e tentavam fazer com que o pequeno cão preto ficasse no mesmo lugar. Ela também. Tentava fugir todo o momento da lembrança daquele rosto magro, moreno de sol, com pequenas pintas pretas por toda superfície da pele. Mas cada vez se tornava mais difícil. Ele aparecia mais e mais como uma imagem, sem nexo, sem motivo.

Passo por passo, devagar ao seu tempo, ela imaginava o que poderia acontecer. Os dois sentados no sofá novo comprado com prestações em uma casa de móveis nova na esquina do pequeno apartamento em que ela mora. Carinhos, carícias, mínimos gestos, sorrisos pequenos preenchidos com a imensidão do momento. Ambos assistindo TV abraçados. Uma das mãos dele acariciando o pequeno braço dela, em um movimento de vai-e-vem incessante. O outro ao mesmo tempo em que a segurava pelas costas, dava-lhe carinho simultaneamente. Ela apenas deitava-se sentindo o calor do corpo e, entre uma frase e outra, as risadas. Pouco que poderia ser dito para a grandiosidade do estar junto.

Pouco a pouco, as imagens na cabeça dela apareciam como se fossem pequenos flash-blacks que não aconteceram. Como o primeiro beijo que ainda não pode ser dado. Após algumas trocas de olhares, conversas durante a pausa para o café e o cigarro dele e o suco natural com bolachas água e sal dela, estavam praticamente íntimos. Já sabiam o segundo nome de cada, de onde vieram, onde se formaram e até o nome do hamster de estimação que ele tinha na infância. Ele é de uma cidade pequena em um estado vizinho. Ela nasceu naquela cidade, sempre viveu e se formou na faculdade pública que tem ali, onde conheceu o grande amor da sua vida. Amor que se casou anos após a sua formatura por ele ter engravidado uma pobre moça sete anos mais nova.

Ela voltava a pé para casa todos os dias. Fazendo chuva, fazendo sol. Às vezes conseguia alguma carona, mas preferia andar. Suas pernas precisavam se movimentar depois de horas de trabalho exaustivo no escritório da empresa de cosméticos. E nas últimas semanas, única coisa que ela pensava era se encontraria com ele no caminho, se ele a convidaria para visitá-lo no fim de semana. Se finalmente eles trocariam o sabor das bocas sedentas. As bocas vermelhas que sempre sorriam quando um via o outro. Eles sabiam como tirar uma gargalhada do fundo do peito quando um dos dois estava precisando. Ambos sabiam sorrir, porém eram vazios.

O primeiro beijo que seria escondido no banheiro da empresa. Quando ela estivesse saindo, ele a pressionaria para dentro, trancaria a porta, diria algumas palavras doces e cheias de sedução e finalmente a troca. As pequenas flores amarelas começavam a cair sobre a cabeça dela, porém o vento se encarregava de limpar seu cabelo. O pensamento dela era apenas dele. Ela só estava pensando de como seria bom se apaixonar novamente e esquecer seus precipícios e seus vales profundos e escuros.

Ela pensava se a comida preferida dele seria igual a sua, como comentaram em uma de suas curtas conversas. Se ela saberia preparar como ele gosta. Macarrão ao molho branco e brócolis. Os jantares que ela faria no apartamento que ganhou dos avós um pouco antes de morreram e que se encheriam de alegria ao ver a mudança de estado do grande espaço da solidão que ela sentia toda vez que chegava. Olhava para a mesa cheia de contas, para a cozinha com algumas vasilhas de comida pronta sujas em cima da pia. A sala cheia de móveis, mas vazia de presença e o quarto com a cama em que ela mal descansava.

Enquanto se aproximava das esquinas, ela imaginava como seria seus momentos íntimos. De como seria sua primeira noite com ele. O beijo e as carícias que cresciam, a música baixa ao fundo, o toque da pele nua e fria dela com o calor dele. Se deitariam e tudo seria feito com calma e respeito. Porém, quando ela parava nas esquinas, se lembrava de que ele não é completamente solteiro, afinal está saindo com aquela colega da seção, que ela ajudou ano passado quando a outra chegou à empresa e mal sabia como usar uma máquina de xérox.

Seria fácil para ela dizer logo o que sente, se ele já não sabe. Difícil seria ela agüentar a pressão de uma resposta negativa ou a possível competição que criaria. As palavras são inocentes tão quanto os sentimentos. Nunca se sabe por quem se apaixonar. Ela não está apaixonada, mas gostaria de saber por que passava todas as noites esperando ele aparecer, mesmo ela se dando conta de que ele não sabe onde mora. Olhava para o teto, abraçava firme seu travesseiro e aguardava. Apenas isso que fazia. Esperava.

Enquanto esperava, ela continuava andando sem rumo, mas com um porto seguro. Sua fortaleza, sua moradia intacta. Apenas quem poderia entrar era aquele que tinha os olhos profundos e que a fazia delirar silenciosamente. Não queria testar mais seus sentimentos nem desgastar-se mais. Queria apenas sentir como é ser sentida. Sentir é mais que um desejo, é um colapso que acontece na máquina cerebral por causa do coração. Prometera não tentar mais. Mas tentava se afastar de cada pensamento enquanto caminhava.

Ele deveria saber, amanhã após o primeiro turno, quando chegar, ela o chamaria para conversar. Olharia fixamente naqueles olhos, pediria para ele um pouco de atenção e diria que em tudo que ela faz, pensa nele. Todas as ligações no seu celular, pensava nele. Cada pequeno detalhe do seu dia, pensava nele. Ele a acharia tola já que ambos não têm nada, mas ela não agüenta mais guardar isso para si. Mas ao mesmo tempo, pensava que deveria preservar-se e calar-se diante dos fatos.

Os carros passavam velozmente enquanto ela quebrava todas as regras, atravessava a rua em um ritmo acelerado sem olhar para os lados sem esperar a resposta como em quase todos os momentos que passava com ele. Os olhos marejados não sabiam mais para onde olhar. Apenas seguiam o ritmo da natureza, que é preservar-se de pequenos danos, ciscos e poeira que poderiam embaçar a visão. Ela queria pouco. Pensava muito, refletia sem alguma pausa, imaginava abraços, beijos e o calor dos corpos juntos, se tocando interruptamente.

Ela queria apenas que todo aquele furacão dentro de sua cabeça acabasse. Ela desejava que ambos estivessem juntos e, no meio da noite quando ele se levantasse para ir embora, ela pedisse para que ficasse mais um pouco. Então, ele diria, com os olhos cansados, que não pode, e beijando levemente seus lábios e cobrindo-a, prometeria voltar amanhã. Ele iria embora e levaria consigo todos os pensamentos noturnos dela e, instantaneamente, ela dormiria. Assim a ventania lá fora não existiria mais."

(Texto produzido dia 06/10/2008)

domingo, 28 de setembro de 2008

Obrigação

"O tempo não me deixa mentir, muito menos esquecer. Estamos unidos de qualquer forma. Poucos dias, poucas noites. Muito para dar e muito a receber.

Não posso confundir mais amor e amizade. São dois opostos que se atraem pela permanência comum. Um do lado do outro. Companheirismo, alegria e saudade. Não nego a obrigação de me sentir livre, sem detrimento, sem necessidade em me prender. Queria ser livre, mas o homem na sua existência necessita de outra pessoa do seu lado para viver. Se não fosse assim, não casaríamos, não procuraríamos uma pessoa e muito menos nos apaixonaríamos. Se apaixonar por si mesmo todos os dias é como uma árvore, permanecemos inertes, fixos no mesmo plano.

Apaixonar-se por outra pessoa, procurar nas ruas escuras um ponto de luz, um sorriso aberto e braços que te darão calor é mais satisfatório. Você se sente útil, se liberta do lugar fixo em que foi plantado. Porém podemos sofrer com o corte dos seus galhos mais antigos que nos impedem de crescer.

É assim que me sinto. Impedido de crescer, de me apaixonar. Ainda não souberam cortar as arestas corretas. Não me apresentaram o novo que deveria vir.

O novo chegou. Abracei fortemente e me apaixonei. Senti o que há muito tempo não sentia. Senti calor, carinho, afeto... O respiro profundo dos corpos juntos e o sorriso mútuo após o beijo.

Não deixei esse novo partir. Segurei firmemente, como se fosse uma oportunidade única que eu teria. Mas me senti obrigado a me apaixonar.

Obrigações que deveria cumprir para poder ser feliz. Ou um pouco.

Não me obrigaram a nada. Não quis obrigar ninguém a se adequar a mim. O bom é perceber que árvores, folhas caídas pássaros e o olhar de duas pessoas se completam. Sentar no mesmo banco da praça, olhar do lado e sentir que aquelas árvores a nossa volta se movimentam lentamente com o vento da primavera, os pássaros que cantam recepcionando o sol que aquece o ninho feito com carinho, as folhas no chão começam a se mover com a leve brisa que bate nos rostos que se esquentam com os raios do sol, que por sua vez iluminam e colorem de um tom amarelado o olhar dos dois.

Sem sequer um toque, os dois sabem que estão ali um pelo outro. E não precisam fazer nada para demonstrar esse suspiro de inspiração. Não é necessário nenhum impedimento, nenhuma troca de favores. Tudo é implícito pelo sentimento que os une. Diferente das obrigações que deveria cumprir. Do pacto que me deixou sem a verdade, a realidade. Diferente de tudo.

Queria sentir pelo prazer de sentir. E não sentir prazer pelo prazer. Tenho medo de ter me perdido diante do meu passado e não saber o que deveria ter feito. Meus medos não me apavoram mais e não choro mais. Mas meus medos estão presentes em algum lugar escondido em mim que ainda preciso descobrir. Cada dia fica mais difícil. Escondi tão bem que os perdi, e na volta para a realidade, devo ter me perdido.

Perdi algumas partes do que eu era. Perdi partes que foram partidas, divididas e escondidas. Uma das partes que gostaria de encontrar é o que diz respeito à confiança. O contrário da confiança é o pacto de obrigação. Quando obrigamos alguém a fazer alguma coisa, não confiamos na capacidade dessa pessoa de se entregar totalmente. E quebramos cada vez mais a entrega plena e a confiança que cresce se torna um pacto de necessidade pessoal.

O companheirismo deixa de existir para dar lugar à pequena vontade de um rei que não existe. Um rei que domina um espaço que seria dele se ele não fosse tão autoritário e não fizesse de seus súditos um poço de obrigações.

Não quero ser obrigado a me prender a ninguém. Não quero ser obrigado a gostar de ninguém e muito menos ser fiel por apenas estar junto. Quero ser fiel por realmente gostar. Quero me prender naquelas lembranças dos dias frios e escuros que passamos juntos, olhando para o horizonte de imaginando um futuro não tão distante. Quero apenas sentir aquele calor saindo do corpo e sendo exalado pelo prazer do toque. Nada por obrigação.

Não quero construir pactos. Não quero ser obrigado a nada.

Obrigação que realmente nós temos é de confiar no que sentimos e sermos cegos para correr por uma via iluminada pintada de vermelho. Apenas devemos nos entregar."

(Texto produzido dia 27/09/2008)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Unwritten

"Tenho ouvido muita música ultimamente. Aliás, tenho feito apenas isso para sanar o meu ócio e espantar da minha cabeça pensamentos improdutivos. Músicas novas de artistas que estão despontando no cenário internacional. Mas a música que realmente me fez pensar sobre o momento em que vivo agora é Unwritten, da cantora britânica Natasha Bedingfield, que foi lançada há alguns anos atrás. Essa música marcou toda a minha mudança de vida no início de 2006.

Uma cena especial, que vem a minha mente quando começo a ouvi-la, em uma espécie de flashback, aconteceu em um típico dia de primavera. Uma grande amiga minha e eu, andando por uma das rampas da faculdade que é revestida por aquela desbotada cobertura preta de plástico cheia de bolinhas. Indo em direção ao saguão, com os óculos escuros no rosto e de mãos dadas, subíamos cantando em voz alta o refrão: “Feel the rain on your skin!/ No one else can feel it for you,/ Only you can let it in!/ No one else, no one else/ Can speak the words on your lips./ Drench yourself in words unspoken,/ Live your life with arms wide open!/ Today is where your book begins… The rest is still unwritten!”. Sorridentes, felizes por estarmos ali. Sem problemas maiores. Éramos ainda crianças.

Eu não imaginaria quais problemas enfrentaria anos seguintes. Amor, amizade, desconfiança, raiva, desilusão. Era apenas o começo e o livro ainda não estava nem no primeiro capítulo.
Semanas, meses, semestres, anos se passaram.

Depois de algumas semanas sem escrever, desde minha última crônica Chorar, me vi em uma posição reflexiva novamente. Desta vez sobre essa música e eu agora. Em português, o título é Não Escrito. Mas o que na minha vida ainda não está escrito?

Durante todo esse tempo de descobertas, de novas páginas no meu livro, posso dizer que realmente a fase mais intensa foi essa em que vivo agora. Ou que vivia. Aquela que iniciava seu ciclo há exatamente um ano atrás. Uma fase onde pude viver, sentir, sonhar e realizar intensamente todos os planos que eu, um dia, imaginava para mim.

Mas ainda há muito que acontecer. Durante esse tempo sem escrever, pensei enquanto caminhava solitário nas férias, muitas vezes não tão só, que eu estava errado mesmo. E teria que admitir. Já admiti que estava errado, mas continuei errando. Tudo bem, é humano. Mas para mim não dava mais. Prometi não chorar, mas chorei. Prometi tantas coisas que nem metade eu cumpri.

Quero começar essa página em branco logo. Quero virá-la e começar a escrever coisas que me façam feliz de verdade. Sofrer também é sinônimo de amor, de paixão, de gozo. Quem não sofre por aquela pessoa que te faz dar um sorriso todas as manhãs ao abrir a janela e dizendo “bom dia”? Por aquela pessoa que faz uma surpresa em um dia vazio, completando-o? Por alguém que te liga e conta sobre os seus problemas, e você ouve, ajuda, orienta e consola, fazendo com que você se sinta realmente importante? Por aquela pessoa que ao cruzar com você na rua depois de tanto tempo te abraça tão forte que você pode sentir o calor dela invadindo seu peito?

Quem nunca sofreu por alguém que gosta? Sofrimento é como aquela poeira que permanece em um travesseiro de coração. Não se manifesta e é imperceptível. Mas quando o coração se mexe de forma brusca, todas aquelas partículas tomam conta do lugar, nos cegam e deixam tudo mais embaçado. Os olhos enchem de lágrimas, há um aperto no abdômen, uma respiração profunda. Espirro. Silêncio. Alívio em se sentir mais leve.

Estou deixando o sol luminar as palavras que eu não encontro. Deixar com que a própria vida encontre seus meios. Para que no rosto das crianças eu possa sentir o prazer de sorrir novamente e sonhar. Sonhar e colocar em prática tudo que sonho. O sonho impossível é aquele que ainda não pude sonhar.

Vou deixar a chuva molhar minha pele naquele dia de calor, sem me amedrontar com os raios e o vento. O vento leva para longe o que precisamos. Mas o que é nosso de direito sempre volta como em um furacão.

Não quero escrever uma nova história totalmente feliz. Felicidade é perfeição. E a perfeição é sem sal. Quero sentir. E sentir engloba tudo. Alegria, tristeza, tesão, saudade, agonia... Muito menos não vou escrever cartas de libertação. Porque nunca fui escravo e nunca me escravizarei. Libertar-se é trair sua identidade. Se procuramos alguém para nos libertar, é por que vivemos presos na nossa própria vida. Nos libertamos e nos prendemos novamente a uma outra vida.
Vou buscar a coisa mais distante de mim. Mas está tão longe que pode estar perto e provar não é diminuir a distância. É apenas saber saborear o que eu posso oferecer e o que as pessoas podem me oferecer.

Não ofereço muito, já que sou pouco. Mas pouco não significa disperso. Pode significar concentrado. Sou uma essência em que o pouco se faz muito, e o muito é obsoleto em dizer-se que seria pouco.

Minhas antigas tentativas estão na página anterior, estão presentes na forma com que e do que escrevo. Tentativas frustrantes de buscar uma perfeição que não existe nem em mim e nem em ninguém. Por mais que alguém tente escrever algum livro perfeito, para muitos pode parecer um simples livro de capa-dura e sem edição.

Vou escrever tudo o que quiser, e, em conseqüência, dizer tudo que eu pensar e sentir. O personagem que está incompleto ainda sou eu.

Sei disso porque compreendo que apenas eu posso deixar com que as coisas entrem e saiam da minha vida. Do meu livro. Apenas eu posso segurar e soltar as oportunidades que me são dadas e fazer delas as melhores escolhas. Compreendo que agora se eu não entender o que eu sinto, ninguém entenderá. Ninguém sentirá por mim.
Então deixe-me que sinta e que pegue a caneta na mão para rabiscar alguns contornos na página, anotar alguns personagens principais. Saber de todo o enredo, de toda a trama e para onde ela me levará com o que colocarei em prática, eu não consigo imaginar.

Apenas sei que todo o resto do meu livro, que começa hoje, ainda não está escrito!"

(Texto produzido dia 11/07/2008)
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terça-feira, 24 de junho de 2008

Chorar

"Estou cansado de chorar.

Cansado de derramar essas lágrimas que ninguém pode ver. A dor que apenas eu sinto, o amor que só eu posso usufruir e as lágrimas que salgam a minha boca e que me fazem sentir menor do que eu poderia ser.

Estou cansado de ouvir que tudo ficará bem quando eu me sentir bem. Cansado de ouvir palavras de amor que não vem do coração. Meu coração estava congelado, não queimava mais, nem sentia dor. Hoje, não sei o que ele deseja: se prefere bater por alguém que me vê, mas não me enxerga; ou se ele prefere se esconder atrás das máscaras que visto todo dia quando acordo.

Máscaras sorridentes, irônicas e cheias de vida, como eu deveria ser. Eu até poderia tentar. Mas falta-me vontade de olhar para tudo e conseguir tirar alguma coisa positiva desse momento. Se momentos felizes existem, eu apenas passei por um ou outro. Hoje sei que o sol que bate na minha janela é apenas o anúncio de que ela ainda não chegou. Três da manhã, quatro, cinco, seis... Quando o sol ilumina ao longe e meu coração despedaçado permanece no chão, sinto que nem o calor dela pode me esquentar com o frio que vem de dentro.

Tenho medo de dormir aqui. Tenho medo de olhar para o lado e ver de novo tudo vazio. Tenho medo do interfone não tocar e eu esperar eternamente alguém que não vai voltar mais para mim. Agora ela é de outro. Pode ser uma vez apenas, mas nesse instante nem ao meu lado ela permanece.

Nunca tinha sentido uma dor tão profunda como a da solidão. A solidão dói! Dói quando você sente que está sozinho. Dói quando debaixo das cobertas naquele dia frio, a única coisa que te esquenta são as lágrimas que caem dos olhos. Dói quando você fala e a pessoa não escuta. Dói quando você se sente traído sem ter nenhum relacionamento. Dói ser sozinho.

Única coisa que consigo imaginar quando chego em casa é se ela me faria uma surpresa. Me recepcionasse com um abraço quente e apertado, me dissesse baixinho que estava feliz novamente por estar aqui. E eu choraria de novo. Porque eu estaria feliz de, pelo menos, sentir aquele calor perto de mim. Não me importa mais se ela apenas me vê e não me enxerga. O que me importa é que pelo menos aqui ela pode estar. E sempre esteve. Para mim, é o lugar que eu achava certo.

Mas eu estou errado. Na despedida, pude sentir que eu errava cegamente de olhos abertos. Errava por insistir no meu erro. No mesmo erro que me faz querer gritar. Gritar sozinho. Chorar. Olhar para baixo e conseguir pensar em alguma coisa que não seja aquela noite que eu não tiro da minha mente. Olhar para baixo e ver um jardim que eu mesmo plantei. Olhar para baixo, procurar seu rosto, olhar nos seus olhos e não ter vergonha. Vergonha do que sinto. Me penalizar por estar do lado errado.

Quando jogamos a moeda, para ela caiu cara. Para mim, caiu coração. Não consigo achar a moeda para jogar novamente. Devo tê-la vendido para alguém que passou e que eu tentei entregar meu coração.

Ainda posso sentir o medo me corroendo os dedos. Como o frio. Que começa quando estou deitado, lá nos dedos dos pés, sobe pela canela, me faz envergar para trás quando chega na espinha, me arrepiando inteiro, fazendo os braços tremerem e os pêlos do braço se levantarem. Chega à cabeça, primeiro na nuca como um sopro gelado nas costas, depois na boca que me faz tremer e então nos olhos que me faz chorar.

Eu não posso acreditar que meu coração está partido de novo. Sem motivos. Queria correr pela rua, andar sem ter para onde ir, encontrar as pessoas que eu amo, abraçar tão forte, sentir aquela fortaleza naquele instante. Sem ter medo de chorar, sem ter medo de parecer imbecil. Menor do que já sou. Pequeno.

Eu estou perdendo minha razão. Estou perdendo tudo que eu necessitava. Não consigo pensar. Apenas sinto que eu sou errado. Apenas sinto meu estômago doendo, meu coração batendo rapidamente, minhas mãos tremendo e eu escondendo meu olhos cheios de lágrimas. Não vou conseguir olhar para os olhos das pessoas. Vou olhar para baixo e continuar a procurar o jardim que deveria ter plantado enquanto permanecia no tempo de estiagem sem ela.

Não consigo entender uma só lembrança. As cenas na minha cabeça se embaralham. Ela deitada do meu lado, sorrindo. Quando vejo, tudo está vazio, não há mais nada aqui. Eu fico na janela pensando o que falar para ela, o que ela deveria saber, sendo que ela já sabe de tudo. Fico em silêncio, de costas, com os olhos cheios de lágrimas. Ela permanece na porta, encostada me olhando da forma que eu adoro. Me pergunta o que está acontecendo e eu respondo olhando para o jardim debaixo dos meus pés que não há nada. Ela fecha a porta, eu fixo meu olhar para o apartamento vizinho onde um casal se abraça feliz. E se beijam. Não há nada, e saio pela porta chorando. No caminho de volta, penso em tudo, mas me expresso pouco. Apenas sei dizer o que sei sentir. Falo e sei erroneamente.

Não quero ser mais a vítima e nem indicar um vilão. Não há mocinhos e bandidos. Não há eu e ela.

Dessa vez quero ser diferente. Quero esquecer esses sintomas que me machucam, que me fazem chorar. Quero tentar novamente um recomeço para mim. Todos já tiveram sua chance e a minha eu perdi com pessoas erradas. Não quero mais sentar na cama, sentir ainda ela aqui e começar a chorar. Levar comigo durante todo o dia aquela agonia que em um simples sinal de fraqueza, faz escorrer uma lágrima dos meus olhos. Não quero que as pessoas perguntem como eu estou e eu desabe nos ombros delas. Não quero que ninguém perceba o quanto sou fraco.

O meu coração que estava no chão, eu colocarei novamente aqui dentro. Ele pode continuar a bater por ela. Não me importo. E espero que ela não se importe. Apenas espero que ela não demore mais para voltar. Que eu não passe a noite novamente em claro pensando em coisas que eu abomino. Repulsa. Infelizmente o que acontece em Vegas, permanece em Vegas. Que eu não me sinta sozinho e precise de algumas horas sozinho caminhando sem rumo. Que eu não me permita sentir tantas coisas ao mesmo tempo. Amor, amizade e tesão. Sentimentos tão parecidos que eu me perco onde começa um e onde termina o outro.

Sentimentos que eu gostaria de tirar do meu peito e fazer com que eles não escorram dos meus olhos como lágrimas de dor. A dor que apenas eu posso sentir...

Eu devo tranqüilizá-la quanto a tudo. Estou errado, mas vou tentar acertar. Não vou tentar acertar em ser o cara certo para ela. Muito menos fazer com que ela não apenas me veja, mas me enxergue. Não nadarei mais contra a corrente. Deixarei a água bater nas minhas costas e me levar para algum lugar que não gostaria de estar.

Por enquanto eu choro. Todos os dias, logo cedo, sinto o frio na barriga ao imaginar que tudo está para recomeçar. Todos os dias penso que seria mais um dia sem ela. Todos os dias espero até às duas da tarde para vê-la na minha varanda me olhando e me acalmando. A gente feliz novamente. E isso me faz chorar. Saber que eu poderia ser feliz, mas não sou. Ainda não. Choro por saber que naquela noite, ela demorou um pouco a mais, pois tinha que se despedir de uma forma especial de outra pessoa. E eu fiquei esperando. Choro por lembrar da outra noite em que eu voltei desestruturado sem ninguém para me ajudar. Sem ninguém para me explicar porque tudo isso acontece comigo. Choro por saber que ela nunca será minha. E sim de outras pessoas.

Sim, eu choro. Sou homem e choro por um amor que eu não tenho mais direito. Nunca tive.

“Mas não se preocupe, você não me verá chorar mais!”"

(Texto produzido dia 23/06/2008)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Grito

"Eu escrevo.
Escrevo da mesma forma que os cantores cantam. Da mesma forma que os poetas encantam. Da mesma forma que atores interpretam.
Eu apenas escrevo meus medos. Medos que rejeito durante meu sono. Medos que eu gostaria de esquecer. Mas esqueço escrevendo o que não gostaria. Apenas escrevo para não sair pela rua gritando. Gritar é uma foram de se deixar levar pelo momento. É esquecer que o amanhã existe. Gritar é momento. Escrever é sentir, expressar e de uma forma auto punitiva, não cometer os mesmo erros.
Todo mundo erra. Eu erro, você erra. Todos nós erramos.
Não acho justo que as pessoas apenas acertem e que isso faça com que elas sejam melhores. O prêmio deveria ser para aqueles que erram. Se errar é humano, persistir no erro não é burrice.
Burro é aquele que não enxerga o que está óbvio. Burro é aquele que de certa forma esquece que seus medos se pautam em sentimentos que nunca se realizarão. Burro é aquele que ama.
Não amo, pois erro. E o amor tende a ser perfeito. Apenas para aquele que fala, pois quem sente sabe que ser perfeito é um dos pequenos defeitos da grande privação do amor.
Privar-se de amar é impossível. Ninguém diz para si mesmo: “Eu não vou amar!” e sai pela rua livre de qualquer tipo de colpo di fulmine. Ninguém pode falar que alguém nunca o tocou tão profundamente que fez com que ficasse noites em claro pensando no que poderia acontecer.
Privar-se de amar é uma forma de defesa para quem foi privado. Para quem amou e não foi correspondido. Para aquele que o amor apenas não saiu do papel. Dos sonhos.
Amar aquela pessoa que não te ama é trágico. É cruel. Para os dois. Para um. Para mim.
Não vou dizer que faça o que fizer, aconteça o que acontecer, eu vou fazer com que ela fique comigo, que essa pessoa me olhe de forma diferente. Já tive a oportunidade e não aproveitei. Agarrei com tanta força, fiz o que tinha que ser feito. Até hoje, aquele cheiro que passa a noite comigo, que eu segurei em meus braços com calor, me atormenta. Me dá medo.
Olhos nos olhos. Corpo no corpo. Mão na mão. Boca na boca.
E pensar que antes de tudo isso, eu era apenas um amigo. O amigo que ficaria ao lado toda hora que precisasse. O ombro que agüentaria as lágrimas que tinham o peso de uma bala de canhão no estômago. Chorando por outro. E eu me segurando por ela.
Após vários momentos juntos, pude perceber o quão valioso poderia ser minhas lágrimas que o espelho refletia e que não pareceriam vindas de mim. Lágrimas de dor.
A dor se transformou em felicidade quando eu senti pela primeira vez o calor daquele beijo tímido. Tímido de medo de me machucar e eu saber toda a verdade.
Lágrimas que se converteriam da dor para a alegria de sentir que pela primeira vez e talvez pela última, ela estaria comigo. Apenas uma vez pude sentir todas as emoções juntas, em um momento que não acreditaria que poderia usufruir. Eu estava cego e era cedo.
Despedimos-nos logo cedo e ela foi embora. Nossa relação nunca mais foi a mesma. Acabou o respeito, a sinceridade, a amizade. Acabou tudo aquilo que eu mais esperava, que eu mais lutava. Acabou.
Acabou da mesma forma que meus olhos piscavam ao ver uma foto e mais uma lágrima caía. Caíam várias. De medo, de receio, de punição.
A verdade dela era simples. Ela amava outro. E tudo que aconteceu entre a gente era apenas uma falha, uma pane no sistema que eu compreendia. Ela se rendeu a tentação e eu me rendi ao sentimento. Os dois rendidos no fim do caminho.
Ela privada pelo meu amor e eu privado de amá-la. Os dois com medo de machucar e esquecidos que a vida faz-se com verdadeiros erros.
Erros que se erram com o coração podem ter perdão.
Mas não tive. Pois não me privei de um amor que já sabia que não seria meu. Sucumbi no meu erro e fui burro. Esse tipo de burrice nem Deus perdoa. Errar por amar demais é cair no vale de medos que acompanham a gente até o próximo relacionamento. Até você achar outra pessoa e se entregar totalmente.
Porém comigo não foi assim. Relacionamentos entram, saem da minha vida e não consigo esquecer aquelas horas que passei junto dela. Aquelas horas em que pude sentir que eu era vivo. Vivia para amar e não para sentir medo. Mas foi apenas aquele instante. Um pequeno instante.
Mas me decidi. Não amo mais e assim não erro. Sucumbo ainda na escuridão dos meus medos. Cansei disso tudo. Cansei das mentiras e das verdades.
Assim, eu escrevo para gritar. Esse é meu grito. Como o grito, é passageiro. O que escrevo é passageiro e apenas serve para que eu me lembre que meus erros, não desejo a ninguém.
Escrever e gritar sobre amor não é coisa fácil. Muitas pessoas escrevem, cantam, poetam e interpretam de formas diferentes o que é o amor.
Mas errar... apenas eu sei o que é. Pois as pessoas são perfeitas. E eu não."
(Texto produzido para a matéria de Técnica Redacional
em Jornalismo do 3º ano no ano de 2008)

domingo, 8 de junho de 2008

Do Sol

"- Sabe, nunca tinha reparado como o sol deixa todas as nuvens mais coloridas de vermelho e laranja nesses fins de tarde.
Disse aquele velho cliente do bar, contentando-se com a semi-presença de uma jovem loira de olhos claros na mesa ao lado. Semi-presença pois a garota estava totalmente de costas para o velho que falava sozinho. Ele tinha cabelo ralo e grisalho, olhos escuros, usava óculos, calça com tons de bege e marrom desbotados com o tempo, e camisa amarela bem alinhada, dissonante da calça por ser aparentemente nova.
- Aliás, nunca tinha reparado como as coisas são tão passageiras. Uma pessoa que você imagina conhecer por alguns anos de vida, passa pela gente, vai embora e nem diz um tchau. Da mesma forma que você imaginava conhecer tantas coisas da vida, ainda mais eu que já passei maus bocados, agora receio dizer que não sei direito o que as pessoas são capazes de fazer. Como o sol... Tão passageiro...
A garota, imóvel, permanecia rente à cadeira, e não demonstrava nenhum tipo de reação à fala do senhor, que continuava seu monólogo:
- Eu devo ter quase triplo de sua idade. Não sei se deveria contar, mas já que estou nessa conversa, vou até o fim. – respirou, levou até a boca um copo de cerveja, acendeu um cigarro e continuou – Pode não ser do meu interesse, mas absolutamente devo dizer que seus amigos a deixaram esperando. Amizade é um negócio que mexe demais com a gente. Na sua idade, eu fazia uma faculdade que me ocupava todo o tempo. Nessa faculdade, encontrei amores e amigos... Amigos. – suspirou e levou rapidamente mais um gole da cerveja a boca para não perder o raciocínio – Um deles eu me lembro muito bem que me marcou.
O sol que desaparecia no horizonte entre as nuvens, deixando tudo mais escuro, lentamente seduzia o olhar do velho, como se fosse um apoio para que não perdesse as memórias que ali depositaria para qualquer um que estivesse ouvindo. A garota não se movia, permanecia inerte, quase com uma posição que indicava medo do senhor que nenhum mal poderia fazer. Ele apenas tinha um costume de conversar com quem lhe aparecesse.
- Foi esse que, logo no início, olhei bem para o rosto e tive a certeza que se não fosse amigo dele, eu o odiaria. E realmente, foi o que aconteceu... - encheu o copo, segurou a garrafa na mão e pediu mais uma cerveja – Não! Não o odiei. Tornamos-nos amigos. Talvez não aquela amizade que rendesse horas a fio de conversa, mas minutos pequenos de debate que se travavam. Ele tinha idéias parecidas com as minhas, mas muitas vezes divergentes até demais. Como uma pessoa poderia gostar de música pop e ao mesmo tempo cultuar o blues, o rock, chegando ao extremo da MPB? Eclético seletivo, como ele dizia.
A garçonete trouxe mais uma garrafa, foi saindo de perto do velho, anotando alguma coisa em um bloco de papel. O velho trocou de posição das pernas e puxou a cadeira para mais perto da moça, e como se fosse contar um segredo, começou a falar bem baixinho.
- Eu tinha medo, no início, de conversar com ele. Pessoa de poucas palavras, idéias que se concentravam tanto na fortaleza do capitalismo, quanto na rebeldia comunista. Na realidade um turbilhão de raciocínio. – bebeu mais um pouco de cerveja - Tinha nascido longe daqui. Era da capital. Mudou-se ainda quando criança para o interior. Mas esses detalhes não me valem muito. O que vale na realidade era o perfil dele. Na realidade, nem mesmo isso. Me é importante tudo que eu pude ver que ele fazia. Como ele mesmo ponderava: “O que se analisa nas pessoas não é o que ela é ou aparenta ser, e sim o que ela faz”.
A moça, ainda de costas, relaxava e se aproximava do velho, com uma atitude aparente de quem tinha começado a se interessar pela fala do senhor. Ela largava em cima da mesa o celular que havia bem seguro nas mãos e um lenço de papel cheio do batom rosa que delineava os pequenos lábios ainda escondidos pela sombra da árvore.
- Quantas vezes eu passei na frente da sua casa na época, e encontrava-o sentado na varanda, com um copo de suco ou vodka na mão, vendo o movimento. Aliás, de todas as janelas de sua casa. Era aficionado em janelas, no que elas representavam. Dizia que ficava ali na janela para fugir às vezes do que sentia por dentro. Quase em uma metáfora viva, entre casa e coração.
O velho olhava em volta, analisava a rua cheia de carros e em nenhum momento direcionava seu olhar para a moça que permanecia ali do seu lado, de costas para ele, mas com posição atenta aos relatos. Entre uma fala e outra, a moça jogava os cabelos para trás, em um movimento comum, mas que delatava seu interesse nas memórias.
- E que coração. Como sofria aquele coração! Sofria por amor. Muitos amores que sequer saíram do papel. Ele guardava tudo em folhas de caderno, como um diário esporádico do que sentia secretamente. Um dia peguei um desses cadernos e li vários textos que ele escreveu. Alguns textos me assustavam por conter um lado que poucos tinham visto dele. Aliás, vários lados de uma pessoa que amou platonicamente, carnalmente e conscientemente.
Levou mais um copo de cerveja na boca, colocou o copo meio vazio na mesa e continuou: - Ainda mais quando ele se fazia apaixonar. Era esperto. Sabia que com o coração não se brinca, mas tinha convicção que mais vale um pássaro pequeno na mão que um grande voando. Era tão esperto que às vezes não se compreendia o que ele queria dizer. Falava apenas quando convicto do que sabia e sentia, mas seu silêncio dizia muito.
O sol, que já não iluminava tanto as ruas, cedia lugar para as grandes nuvens vermelhas que se encarregavam de deixar o fim de tarde mais claro. Entre um copo e outro, o velho dedicava, minuciosamente, ao relato do amigo.
- Ironia. Era mestre em fazer-se irônico. Por natureza já o fazia, mas quando queria, chegava ao sarcasmo. Positivo ou não, era temido por pessoas que não o conheciam direito. Temiam aquele olhar julgador que, por unanimidade, era conhecido por analítico. Analisava tudo. Deixava passar algumas coisas que não considerava importante, e para ele, pior que o ódio, era a sua indiferença.
O celular da moça começava a tocar e ela não fazia questão de atender. Não se movia em direção ao pequeno aparelho, e ficava esperando a fala do velho. Este continuava seu monólogo, sem deixar-se interromper pelo barulho que o telefone fazia:
- Se ele tinha família? Sentia muita falta de casa apesar de morarem em uma cidade aqui perto. Não falava muito deles para que não se lembrasse toda a vez da saudade que sentia. Mas sabia que eles estariam o apoiando esteja onde estivesse. E seus planos para o futuro eram simples: apenas queria um casal de gêmeos. Sempre foi seu sonho. Se não me engano, conseguiu realiza-lo, se casando e sendo feliz ao lado da família que construiu. Tinha o desejo também de adotar uma criança. Já esse sonho, não conseguiu realizar...
A moça, em um sinal pequeno de afirmação, sacudiu a cabeça, cobrindo mais uma vez a face dos raios enfraquecidos do sol. Ela levou a mão no rosto e permaneceu assim por alguns instantes. O velho, que até então não tinha observado as reações da jovem, parou sua fala, olhou os seus cabelos loiros, e analisou a mesa em que ela estava com algumas garrafas de cerveja e um copo ainda cheio.
- Tinha uma coisa que deixava todos com que ele convivia nervosos: mudança repentina de humor. Nunca vi uma pessoa que muda tanto de humor como ele. De uma hora para outra, passava de um clima pacífico, para uma forma de tratar quase de guerra. Uma metamorfose, como apelidavam. Deve ser pelo fato dele se estressar com as duas faculdades que ele fazia na época que estudávamos. Estudante da arte do uso da palavra duas vezes. Letras e jornalismo: a palavra como uma forma de escrita e desenvolvimento, e outra como forma de expressão social. Mais do que isso talvez, queria expressar a sua visão.
Quando tomava sua cerveja, em uma parada, o velho notou um suspiro diferente da jovem ao lado. Um suspiro calado, abafado pelas mãos no rosto que faziam com que a maquiagem, antes imperceptível por causa dos longos cabelos, escorresse pelo braço da moça. Ele assustado, tentava retomar seu então monólogo, que de um momento para outro, havia afetado a jovem de alguma forma.
- Eu me empolguei tanto com a minha fala, que esqueci de dizer o porquê me refiro a esse velho amigo desta forma. Uma das várias lições que aprendi com ele ao longo dos anos foi que amigos são amigos. Para todas as horas, em todos os lugares. Amigos que conquistamos continuam sempre guardados em algum lugar no peito e nas lembranças. Ele exigia muito das amizades dele... – levou o último copo de cerveja à boca, respirou fundo e continuou – Talvez não exigisse demais, mas esperava deles. E isso foi com o passar do tempo se acentuando, até que todos a sua volta começaram a exigir a mesma forma de demonstrar a amizade.
O sol já não pintava as nuvens de cores do fogo. A lua começava a aparecer nitidamente pela imensidão escura, brilhando de forma tímida, mas que fazia com que o céu, sem a presença de formas estelares, fosse preenchido aos poucos, para compensar a ausência solar.
- Assim foi durante todos os anos de convivência. Tornamo-nos uma família... nós dois mais os outros que sempre estiveram a nossa volta. Trabalhamos juntos em um jornal de uma cidade grande aqui para esses cantos, e estamos agora dando aulas para o curso que nos formou, afinal o ensino sempre esteve impregnado no sangue dele, mesmo sendo uma pessoa sem paciência às vezes.
A moça ameaçou virar-se de frente e encarar o senhor, mas seu pequeno gesto apenas fez com que ela se sentasse mais próxima dele. O velho, por sua vez, ajeitou-se na cadeira desconfortável e pediu a conta para o funcionário mais próximo do lugar.
- De uns meses para cá, ele desapareceu. Ouvi falar que ficou doente, mas duvido muito. Vaso ruim não quebra! Liguei, procurei... Até minha esposa entrou na procura. E nada. Largou tudo para trás e desapareceu! Sem dizer uma palavra, sem dizer um tchau. Incabível...! Sinto falta das nossas conversas aqui nesse mesmo bar, lugar preferido dele, sempre analisando o pôr-do-sol... E essa falta que sinto do meu amigo, se reverteu em angústia, até chegar ao ponto de me decepcionar... Realmente, como o sol que vai pelo horizonte e não volta...
Em um movimento súbito, durante a retomada de fôlego do velho, a moça levantou-se e sentou de frente para o senhor, interrompendo sua fala. Ele, impressionado com os olhos verdes escuros lacrimejados da moça, e com o rosto manchado de maquiagem, resistiu e olhou fundo naquele olhar que reconheceria mais tarde.
- Eu não queria interromper as memórias do senhor – disse ela bem baixo, com uma voz de cansaço – mas imagino que a pessoa que lhe causou todo essa desencadeamento de lembranças é a mesma pessoa que tento não me lembrar...
- Você está falando do...
- Sim... Dele mesmo! – retrucou a jovem se apoiando no braço do velho desconhecido – Após três anos da minha viagem definitiva para a Itália, que era um sonho antigo da família, voltei ontem da minha estadia por saber que a pessoa de quem o senhor tanto sente falta estava mal...
- Meu Deus! Mas como ele está? – disse o velho ressabiado e com os olhos escuros fixos nos lábios da jovem... – Seu rosto! Ele é familiar...
- Fico feliz por suas memórias... – olhando para o chão, procurando força para olhar nos olhos do velho, ela continuou – Um pouco antes do senhor chegar e começar a contar toda história, eu estava aqui há algum tempo lamentando-me e procurando motivos para levantar meu rosto...
A lua já clara no céu iluminava a rua junto com os postes que faziam contraste com as poucas janelas do prédio à frente que estavam abertas. Junto com a lua, várias estrelas pareciam surgir repentinamente, uma a uma, como um sinal de luz na escuridão.
- Agradeço, pois o senhor me fez enxergar que não devo chorar, mas sim me orgulhar...
- Não entendo nada do que você me diz. O que este grande amigo tem a ver com sua história, moça?
- Seu velho amigo era meu velho pai... Ele morreu há alguns dias e não pude vir antes para seu enterro. Quando cheguei, apenas seu túmulo e silêncio reinavam dentro de mim. – o espanto nos olhos do velho era visível, porém a moça continuou – Mas foi bom, pois ele sempre desejou que ninguém sofresse por ele, e que seu enterro não fosse muito noticiado...
- Mas...
- Eu agradeço profundamente o que você fez por mim hoje. – novamente interrompeu a moça, segurando com força as mãos suadas do velho – Vejo nitidamente agora que o maior desejo do meu pai se realizou... Ser lembrado pelas pessoas que ele mantinha a sua volta como alguém que vivia para todos estes, e para construir o próprio perfil de uma pessoa que apenas queria que o vermelho do céu, criado pelo sol, amanhã voltasse. Um perfil de um ser humano comum, porém especial. Para mim e para todos que o amavam.
A moça se levantou, beijou o velho no rosto e foi embora. O senhor inerte, com os olhos lacrimejados, forçava os lábios segurando para que a primeira lágrima não escorresse. Após alguns instantes, olhou para o céu estrelado, e a lua cheia que brilhava cintilante fez-se refletir na lágrima que escorria. Na boca, exibia-se um pequeno sorriso.
- O sol amanhã vai voltar..."
(Texto produzido para a matéria de Jornalismo Impresso
no ano de 2008 para definir a questão: "Quem sou eu?")