domingo, 8 de novembro de 2009
Em jogo
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Calor
"Nao sei. Apenas eu tenho certeza que eu nao quero mais isso para mim." Disse ele, com uma das lagrimas dela escorrendo pelo pequeno rosto branco entre os cabelos loiros lisos. Seria dificil para ele sair daquele lugar onde estava, depois de lutar tanto pelo que queria. Agora que tinha em suas maos, perdia. Nunca seria o suficiente para ele. E para ela, nunca seria da mesma forma. Ele apenas queria se sentir mais livre. E ela mais segura. Confiança naquele momento nao serviria para nada. Nao adiantaria ele segurar as maos leves dela com as pequenas unhas pintadas com um esmalte vermelho, perfeitos em seus detalhes minimos. Nao adiantaria mais qualquer tipo de carinho que ele fazia no rosto dela com o polegar.
"Por que fizemos isso com a gente?" Sussurrou ela, em meio as lagrimas. Lagrimas que faziam com que ele fechasse os olhos para segura-las. Ao fechar os olhos, ele se lembrava daquela noite. As duas garotas morenas sobre o seu colo. As maos delas passando pelo seu corpo moreno, que aos poucos ficava arrepiado. Ele jogava a cabeça para tras, seus olhos viravam a orbita. As duas morenas continuavam a passar as suas maos pelo corpo dele. Uma delas enquanto passava lentamente a mao na nuca dele e depois pelo pescoço, beijava seu rosto. A outra, mais baixa e um pouco menos bonita que a primeira, fazia caricias circulares no peito do rapaz. Ia perto de seus pequenos mamilos até seu abdomem, em um movimento de ir e voltar, segurando a surpresa, o momento crucial.
"Voce nao estava aqui." Respondeu ele ainda de olhos fechados e com a cabeça baixa. Ainda conseguia imaginar o que as garotas lhe fizeram. Pouco a pouco, ambas se aconchegavam em seus braços, a mais alta que usava um pequeno colar dourado que combinava com seus brincos de argola e grandes, continuava a beija-lo na nuca, os arrepios tomavam conta dele. Ele a segurava pela cintura, apertando as coxas grossas dela, levantando um pouco da sua saia. A respiraçao dela tomava um ar pesado, rapido. A mais baixa saiu do colo dele, agora em pé tirava sua blusa, ficando apenas de sutia. Um sutia preto rendado. Olhando para o corpo do rapaz, se ajoelha e começa a desabotoar as calças dele. Ele, em um impulso, apenas tira os sapatos e os lança longe.
"Eu achei que seria bom para nòs esse tempo." Ela resmungou ainda com as lagrimas nos olhos. Ele estava ainda de cabeça baixa com a camisa que ela lhe havia dado em seu aniversario. No pescoço dele, ainda permaneciam as marcas daquela noite no parque. A menor das garotas começa a passar a mao pela perna musculosa e com alguns pelos dele. Ia perto do joelho e voltava perto da cintura. Ela apenas conseguia se focar no que estava por baixo da cueca que o rapaz usava. Uma cueca azul marinho. A outra começava no calor do momento a levantar sua saia, deixando com que as maos grandes dele tivessem mais area para segurar. Ela começava a morder de leve a orelha dele, ele procurava o rosto dela, nao encontrava, mas mordia o pescoço da garota.
"Sim, entao eramos livres." Aumentando o tom de voz, disse ele voltando a olha-la nos olhos. Nao tinha que ser dito nada, ela ja sabia do que tinha ocorrido aquela noite. Ele mesmo contou para que nao acontecesse enganos. Por mais que se evitem, enganos sempre acontecem. Ele, mais do que ninguem, continuava a se enganar. Sentada no banco, a mais alta das duas começava a beija-lo. As duas linguas se encontravam. Ambas estavam quentes, salivavam por aquilo. Ele ainda permanecia de olhos fechados, sua respiraçao procurava o instinto dos animais. Com força, ele puxou a garota que o beijava contra seu colo, colocando suas maos na cintura nua dela, alisando a pele macia e jà arrepiada da garota. Enquanto a outra, o alisava nas pernas, segurando em seguida o que preenchia o azul marinho que ele vestia. Com força, com desejo, fazendo com que ele respirasse fundo e rapidamente.
"Voce foi o unico para mim." Voltou ela a chorar. Com um movimento delicado, as maos dele enxugavam as lagrimas que escorriam pelo seu rosto, fazendo com que ela virasse sua cara e fizesse da sua mao um encosto. As duas garotas permaneciam ali, uma sobreposta a outra. Uma ocupada em beija-lo e apertar os musculos do braço dele. A outra seguava em sua mao, deslisava aos poucos as pontas do dedos no calor dele. Ele abria os olhos. Em um impulso, colocava novamente suas calças, se despedia rapidamente das garotas, ajudava a mais baixa a procurar sua blusa. Com pedido de desculpas, disse que nao poderia fazer aquilo.
"Mas nao deveria. Eu nao sou quem voce pensa." Disse ele tirando a mao do rosto dela, fazendo com que ela abrisse os olhos lentamente. Ela sentia vergonha de ter que falar com ele novamente, em passar por cima da vontade de seus amigos, da sua familia. A maior das duas morenas o pegou pela mao, o abraçou com força. Ele nao retribuiu o abraço, ficou imovel com os olhos abertos. Ela deslisou suas maos pelas costas dele, puxou a camiseta dele para cima e o beijou desejosamente o seu pescoço. Ele segurou as maos dela, esquivou-se e começou a andar, sem dizer uma sò palavra.
"Eu sei quem voce é. Tenho certeza quem é o homem que eu amei." Lembrou ela, irrugando sua testa delicadamente, contraindo os labios. Ainda ela lembrou-se de quando ambos fugiram para uma outra cidade quando o pai dela morreu. De quando entregou para ele o presente de um ano de namoro, uma foto que tiraram nas ferias, com a praia e o com o grande sol vermelho com tons de laranja se pondo ao fundo. De quando ele a surpreendeu no dia do aniversario dela vestido de um personagem de desenho animado. De quando, pela primeira vez, a vontade dos dois se uniu em uma noite com pequenas velas acesas, em uma cama grande e com um perfume dos instintos.
"Nao somos mais o que eramos." Engolindo a seco, disse ele. As lagrimas de ambos começava a escorrer. Um pequeno sorriso de canto de boca esboçava no rosto de ambos o que perderam. Entre as maos, as bocas de deixam levar. Entre as maos, a febre acaba. Entre as maos dadas, nenhuma palavra seria dita. Apenas um abraço apertado, com os olhos abertos, para as lagrimas escorrerem. Ficariam ali, abraçados até quando se sentissem livres daquele calor. O mesmo calor que fez com que ele procurasse onde se aquecer. O mesmo calor que fez com que ela se aproximasse do seu colega de faculdade. Em um abraço, ambos se juntavam para se separem. Entre as maos, perdiam o que tanto desejavam mas que agora nao era possivel mais segurar. Nas lagrimas, caiam por terra o que em tanto tempo atras lutavam para conseguirem voar. Amarrados um ao outro, nao seriam livres. Naquele abraço, se desvinculava o que mais atormentava: o desejo de ser livre. Eram livres, mas estavam unidos ali. A partir de entao, cada um procuraria seu ceu, seu sol, seu calor."
domingo, 14 de junho de 2009
Mais do mesmo
O mesmo riso que ao longo do tempo o faria estremecer, deixar para tras tudo que ja havia passado. O passado aos pobres e errantes pertencia. Naquele momento, eram ricos e estavam fixos ali. Um de frente para o outro sem saber o que fariam, que coisa comeriam. Os sorrisos nos olhos demonstravam o que ali acontecia. Nao era preciso mais nenhum gesto, nenhuma palavra, nenhuma forma de expressao velha ou inusitada. Era preciso apenas aquele olhar, aquela forma de se expressar, aquele olho no olho que apenas o quarto, com a lampada de iluminaçao amarela, moveis, cadeiras e estantes de cores afins, poderia entender. Nada deveria ser entendido a partir daquele instante. Os arrepios, o calor, o frio na barriga, o coraçao disparado seriam reflexos de apenas olhares que procuravam um porto seguro e de poucos toques na pele branca, macia, com um cheiro levemente adocicado como o sabor das pequenas frutas do bosque encontradas na primavera nos tropicos.
O mesmo sabor que quando ela pediu para que ele fizesse companhia na noite, ele recusou. As frutas do bosque possuem um aroma doce, um gosto leve e um leve toque acido. Como se as frutas soubessem que por serem tao desejadas, nao poderiam ser ingeridas por serem acidas. Nao amargas. Com a mesma rapidez que o acido da polpa entra em contato com a lingua viva, ele negava o convite. A cada "nao" pronunciado, seu coraçao denunciava uma taquicardia, leve e fulminante. Ela se despediu, disse que iria dormir. Ele apenas começou a arrumar suas coisas, pensando novamente em que parte do "sim" seria mais dificil de dizer.
O mesmo "sim" que as pessoas utilizam com tanta falta de vontade e assumindo culpas que nao sao delas. Pelo menos, nao mais. Ela se deitou e o chamou para se aproximar com seu livro de desorientaçao. Ela se deitou e ele apenas se sentou perto dela, na cabeceira da cama. Querendo ler o que ele escrevia, ela colocou seu rosto sobre as pernas dele. Para ele foi inevitavel a abraçar e fazer de seu braço um travesseiro um tanto quanto incomodo. Mas ela parecia bem naquele braço, os risos ainda continuavam, escondendo a forte vontade que ele sentia de abraça-la e te-la definitivamente em seus dois braços. Um seria pouco para o que ele sentia. As palavras soltas, o coraçao que saltava, os arrepios que lhe gelavam e aqueciam.
Os mesmo arrepios que ele sentiu quando se deitou ao seu lado na cama depois de muito renegar seus desejos. Os braços dela pareciam perfeitos naquele instante. Era o que ele queria sentir. Mas eram poucos momentos em que ambos sentiam o calor dos corpos. Ela se virou na cama, ele a encarou. Os olhos falavam palavras que nao existiam. Eles se aproximavam pouco a pouco, a respiraçao se tornava leve e pausada. Ela salivava, ele lambia seus proprios labios pequenos. Um sorriso envergonhado interrompeu a aproximaçao.
O mesmo sorriso que as pessoas continuam a esconder no dia a dia. Escondem por se sentirem mais vulneraveis a erros. Erros todos cometem, mas nunca se deve temer viver, sonhar por causa de um sorriso que ja nao se parece tao doce como era. Os milagres acontecem em pequenos gestos, em pequenas esperanças, em pequenas surpresas que nòs deixamos entrar na nossa vida. Os milagres sao como sorrisos singelos. Apenas acontecem se estamos abertos para que aconteçam. Ele segurou a mao dela, a olhou novamente nos olhos, as testas se encostaram, as respiraçoes se tornaram uma so. Os olhos serviriam apenas para que a escuridao trouxesse claridade. Que aos poucos, o instinto e vontade procurassem o encontro dos labios.
Os mesmos labios que se perguntavam para o espelho se ele estaria bonito hoje. Cada um sabe o que vale. Se alguem ainda nao encontrou a pessoa certa, de alguma forma para superar o peso, os labios serviam para questionar, conversar. O beijo seria apenas uma forma de selar um acordo entre ambas as partes. Estariam dizendo que para mim, voce me agrada. O comboio ja estava a partir. O coraçao dele estava mais leve, mais calmo. Apenas batia mais forte por saber que toda aquela espera, ainda deveria esperar. A pele, o riso, o sabor, o "sim", os arrepios, o sorriso, os labios. Todos poderiam ser os mesmos, mas naquela hora ele sò desejava mais um. A saudade apenas que ficava. E essa era a mesma de dias."
sábado, 21 de março de 2009
Corroi-se
"Fazia algum tempo que aqueles pequenos olhos nao tocavam o céu daquela maneira. Talvez eram de mentira. As nuvens cinzentas com formas variadas, o azul claro de profundeza relevante, os montes que pareciam ora perto, ora longe. Tudo aquilo tocado por um par de corneas. Profundas lentes. Nos montes, as pequenas casas expeliam uma mistura de fumaça e vapor pelas chaminés construidas por tijolos de cor branca, que por causa do tempo, ja haviam sido transformados em pedaços de pedras com alguns pontos verdes, cinzas, que mostravam a corrosao que sofriam.
Na realidade, tudo se corroi com o tempo. Pensava ele. Tudo. Animais se corroem. Pedras se corroem. Frutas se corroem. Pessoas se corroem. Ate pensamentos se corroem. Porem os sentimentos sao diferentes. Eles corroem primeiro o que esta em volta para, depois de dissolver tudo que ha por dentro, se auto corroer. Talvez os sentimentos se assemelhem a agua. O que corroi as pedras na praia, sao as ondas que insistem constantemente em bater. Quando uma fruta é mergulhada em um copo de agua, ela se dissolve, sem pressa, naquela lenta maresia de poucos minilitros. Corrosiva, a agua tambem se consome.
Apoiado com os cotovelos na grade da pequena sacada de azulejos brancos com riscos em forma de raios beges, ele permanecia com os olhos fixos na pequena imensidao que obtinha. Detalhe por detalhe, ele abria sua mente à procura de algo que se assemelhe, e que ja tinha visto. E paisagem parecida com aquela que via de vastos campos com pequenas porçoes de verde, casas construidas no meio do ambiente bucolico, pessoas que passavam devagar na pequena via proxima, vestidas com seus casacos mais resistentes ao frio que fazia, ele nunca tinha visto.
"O ceu esta colorido." Azul, vermelho, um leve tom de roxo e um ponto amarelo central. Analisava ele, apontando. O calor corroia a agua. Seja o calor natural que o sol pode dar, dia apos dia, ou seja o calor artificial de maquinas de aquecimento. De alguma forma, o calor fazia com que a agua fosse embora. Olhando para baixo lentamente, ele sentia vergonha de pensar essas coisas em uma altura dessa. Mexia os pés lentamente, primeiro o calcanhar ia para a direita, logo em seguida para a esquerda, como se estivesse enterrando debaixo da sola algo que quer esconder. As maos entrelaçadas seguravam com força o calor que sentia, contra o pequeno vento frio que fazia nos fins de tarde.
Por mais longe que estevam, as pessoas que passavam na rua pareciam proximas, quase como se ele pudesse estender as maos, toca-las por um instante, sentir o calor que saia de seu corpo com um abraço forte, caricias leves, um beijo devagar e molhado com os olhos fechados. Leves toques das maos nas costas largas, com um movimento de ir e voltar intenso, que aos poucos subiam até a cabeça e a segurava com força, puxando um pouco dos cabelos morenos e curtos. As maos faziam com que o movimento das linguas se tornasse mais proximo e intenso, os olhos se cerracem mais fortemente e os labios se abrissem, fazendo com que o contato, antes leve, fosse incandecente, como em uma fonte de calor.
Aquelas imagens o corroia por dentro. Ao fechar os olhos, pouco a pouco, como em pequenos traços em um album que é aberto e as paginas passadas rapidamente pelas pontas dos dedos, suas vontades ficavam maiores. A solidao e o medo de se fazer compreender pelos gestos e cuidados o tornavam fraco e pequeno diante da serena imensidao que a cornea tocava. A fumaça das casas se fazia mais presente de acordo com a queda de temperatura. Ali estaria a agua. O vapor era aquela pequena porçao de agua que o calor consumiu.
O sentimento por sua vez permanecia no ar. A agua nao pode ser corroida. Quando desaparece, é porque esta presente de alguma forma em algum lugar. O vapor, o gelo, os pequenos flocos de neve que começariam a cair do ceu. O que ele sentia nao poderia se auto corroer. Um dia vira vapor, mas na outra noite fria quando nao se podera mais ver a lua crescente no ceu, a chuva cairia e traria para ele novamente todos seus medos, receios e dor que um dia foram tragados pelo vazio do coraçao. O pequeno ponto amarelo central que iluminava o ceu tinha desaparecido. Sobravam rastros de sua luminosa existencia nas cores sombrias que, junto com as nuvens cinzas e esparças, desenhavam figuras sem nexo. Do outro lado, a pequena lua crescente começava ja a refletir a luminosidade que ela mesma nao possui. Ele permanecia ali, admirando aos poucos o que deveria ser consumido por ele proprio, mas nao conseguia.
Talvez isso nao pode ser consumido, pensavam seus olhos fixos. Como a agua e o sol, um dia retornam. Diferentes, mas retornam para dar calor ou esfriar mais aquela sensaçao de solidao que um dia o atormentou. Capaz de se fazer entender, ele virou para o lado e disse: “Acho que esta frio para ficar aqui fora, vamos entrar?” A outra pessoa passou em sua frente o olhou e balbuciou: “Faz frio aqui fora.” E antes de adentrar primeiro ao quarto, apontando para as nuvens que apareciam no horizonte, completou: “ Acho que a neve esta chegando!”. Apos que a outra entrou, ele admirou pela ultima vez o ceu, olhando para o lado inverso de onde seus olhos estavam fixos e onde o sol estava: a pequena lua crescente havia desaparecido. A solidao tinha entrado. E seus sentimentos, nem a agua corroia."
(Texto produzido dia 21/03/2009)
domingo, 11 de janeiro de 2009
Jardim de erros
"O que você faria se em uma tarde de chuva não encontrasse forças para olhar para o céu e sentir os pingos gelados e frescos escorrerem pelos pequenos vales do rosto? O que você faria se em uma noite tão quente você se cobrisse com seu cobertor mais quente, com medo dos seus sonhos?
Cada palavra, cada sonho, cada verdade escondida por detrás dos olhos camuflam a essência de cada pesadelo, de cada medo e, principalmente, de cada frase mal formulada que culminou em um erro. Todos nós erramos diariamente.
Erramos quando encontramos todos os clichês diante de uma situação complicada. Quando tudo que está a sua volta morre aos poucos e você apenas encontra a saída após a pequena pausa para o almoço, digerindo. Erramos principalmente quando não encontramos nosso caminho, quando somos forçados pela rapidez que a vida passa a deixar para trás o que realmente queríamos agarrar e lutar. Erramos, assim, por lutar muito e agarrar demais.
Cada circunstância, cada conseqüência, cada dificuldade. Todos erram por tentar procurar palavras para desenhar na parece branca da alma os pequenos vasos de flores quebrados. Um a um, racham ao tocar o chão duro, frio, sem vida. As flores de cores vivas, amarelo, vermelho, com pétalas delicadas e hastes verdes que indicam a colheita madura não podem sentir o chão. O chão já os pertenceu. Elas vieram dali, cresceram, desenvolveram e desabrocharam graças àquela imensidão inerte. Agora, o chão não as pertence mais.
Dessa forma, se a cada caminho que escolhemos, tentássemos voltar ao que éramos, ou ao que precisaríamos para sobreviver e enfrentar nossos medos, possivelmente estaríamos indo contra a força natural da vida em se transformar. As flores foram colhidas do pequeno jardim em que todas pareciam iguais e ao fim do seu percurso, quando o vaso finalmente quebra, uma a uma torna-se especial em sua pequena simplicidade.
As ações das pessoas não podem ser restauradas. Os sentimentos convertidos e palavras não podem ser recolhidas e não-ditas. O curso natural mostra-se impotente quando alguém decide-se ir contra tudo para realizar seu desejo. As poucas verdades que restam se tornam artificiais, preparadas para qualquer ação, já que o diálogo permanece pronto na mente.
Será que você consegue enxergar isso? Como pode ser dito que se vê, mas fingir que não e ainda sentir medo de poder reconhecer. Uma vez me disseram que o medo mais assustador do homem é conseguir enxergar o que ele poderia ter sido, o que ele foi ou o que ele nunca poderia ser. Talvez pior do que isso é temer o que ele sente. Ter medo do que há dentro de você torna-o fraco, sem salvação por ter apenas um caminho para escolher: a autopiedade.
O suspiro cansado depois de uma tarde comum mostra a flagelação. Amar demais é um erro. Amar pouco é dificultar-se. Amar é uma incógnita. O coração bate agora fora do meu corpo, sem o sangue vermelho e quente para me estremecer diante de rostos comuns. O frio que faz aqui dentro permanece preso por uma prisão. Seja qual for a temperatura externa ou provocada em mim, meu rosto permanecerá mudo. Os olhos fixos e a boca sem resposta.
O que cada pessoa sente? O que eu sentiria se soubesse que tenho algumas horas para decidir o caminho que tenho que tomar? Se quando olhasse para o corredor, de um lado visse o rosto que a mim parecia familiar e de outro uma grande paisagem com sombras desconhecidas ao fundo. O que fazer?
Errei em decidir um caminho. Se escolhesse o outro erraria também. Sempre erramos. Se cometermos um acerto com alguém, podemos estar errando com outrem. Ninguém nunca acertará. E eu nem quero. Teria que ser exatamente esse e não pretendo fingir mais. Se eu dissesse que as lágrimas que escorreram do seu rosto foram totalmente ignoradas, com certeza eu olharia para mim na chuva e repararia melhor nas gotas que escorrem pela minha testa, chegam aos meus olhos e se confundem pouco a pouco com o salgado da boca.
Deixem ir. Deixe com que ela vá. Porém acredite que não está abrindo mão de uma vida, de uma oportunidade. Acredite que aquele pode ser um novo fôlego que tomará após a pequena chuva que escorrerá pela sua pele. Se você conseguir sentir que houve alguma nuvem ou neblina em meio ao falso sol que brilhava na sua vida, você está pronto para mudar. Para sentir. Para conseguir agir e fazer algo por você. Para transformar-se em uma flor colhida que fora do jardim, se torna especial e única.
Você pode sentir isso? O que você faria? O que você vai colher no jardim? Em que você acredita: na grande força natural que faz as flores crescerem e se tornarem um simples jardim ou na pequena vontade que faz cada um único e especial pelo que há dentro das pétalas vermelhas que desabrocham e morrem lentamente?"
(Texto produzido em 11/01/2009)