domingo, 13 de junho de 2010

23


"Cuidado com o que deseja

Nunca paramos para pensar realmente o que se passa durante um ano da nossa vida. Todas as idas e vindas, os sentimentos, as pessoas que passaram. Tudo em um ano não pode ser resumido em algumas sentenças, meras palavras. Pessoas até dizem que a única coisa que se pode notar é o envelhecimento. “Nossa, como ele ficou com ar de mais velho”, “Reparou nas rugas?”, “E o cabelo branco, ou a falta de?”... Na realidade, não se pode afirmar desta forma. Não por indelicadeza. Mas pelo fato de que apenas parecemos mais velhos a partir do momento em que perdemos a perspectiva de vida, de esperança. Quando a dor do viver ultrapassa a vontade de alcançar. Parecer mais velho que sua verdadeira idade nada tem a ver com parecer cansado. Tem a ver com esperar a vida passar, cruzar os braços, deixar que o tempo escorra através de um furo na pele.

Nestes 23 anos muita coisa já aconteceu para ser descrita. Aliás, vinte e três. Engraçado como as idades marcam a vida das pessoas mesmo sem ter um fato a ser ressaltado. Seria apenas “tradição”. Os dezoito anos, os quinze, os vinte, os trinta, os quarenta e cinco, os sessenta e até os vinte e quatro. Mas 23, não há alguma superstição, alguma decisão prévia a ser tomada, nenhuma mudança corporal para ser explorada. Idade sem poesia, sem significado.

Mas para mim, 23 anos podem significar mudanças. Tudo vai começar no pontapé inicial. No dia do meu aniversário. Acreditei desde pequeno que o dia em que eu completo anos é um dia mágico, um dia até mesmo de esperança. Para mim, aquele dia seria o espelho do que viria durante os trezentos e sessenta e cinco seguintes. Se fosse um dia calmo, um ano calmo. Um dia turbulento, um ano turbulento. Pensando bem, tem dado até que certo. Uma boba superstição, mas que pode até me render uma carga extra de vontade de seguir em frente.

Um aniversário de 23 anos bom seria aquele que eu não pense muito. Que haja mais ação. Um dia que eu sorria, chore. Mas nada ao extremo. Um dia até que morno. Estou pedindo um ano de calmaria, um ano de mais paz... Pelo menos sentimental. Já no profissional, queria um ano corrido, então devo correr, tem que ter ação. Está certo. Estou pedindo demais. Ou é calmo, ou é corrido. Queria a combinação perfeita entre o vermelho e o azul. Entre o salgado e o doce. Entre o antigo e o contemporâneo. Queria um dia que refletisse um novo ano, que tudo se misturasse, se absorvesse lentamente. Nada de mais um ano conturbado. As lições que tinham para ser aprendidas, dos vinte aos vinte e dois já foram suficientes.

Um dia em que reflexões sobre a vida tomem novas perspectivas. Aliás, nem que elas existam. Já passamos muito tempo vivendo perguntando o que é a vida. Sendo que a verdadeira questão é “como viver a vida”. O que encaramos em cada instante, cada segundo não importa. Importa como o fazemos. Perdemos tempo olhando para o horizonte pensando em um futuro que pode até parecer mais irreal do que distante. Perdemos. O futuro a ser pensado é aquele que está debaixo da ponta dos nossos pés. Aquele degrau que nota-se ao toque, bem rente.

Consome-se muito o futuro, o passado, o presente. Banaliza-se. Explora-se. Descontextualiza-se. Esquecemos que a vida de um ser humano, seus sentimentos, sensações, vivências ultrapassam apenas três tempos. Cada idade, cada instante pode ser um tempo diferente. Hoje sou um pretérito do subjuntivo. Daqui minutos, quero ser imperativo. Amanhã um presente do indicativo...

Obstáculos vão existir. A distância, a procura pela felicidade não está logo aqui. Ou está. Ninguém sabe. Apenas saberei se a felicidade está ou esteve aqui, quando sentir. Mas ninguém sente. Ou eu sinto. Ou ninguém sentirá. Pena, falta, compaixão. Devo sentir? Talvez daqueles que me queiram mal, dos que me queiram bem, dos que se perderam em vão, respectivamente. Ou não. Inimigos virão e devem vir, sim, afinal são eles que nos fortalecem e ensinam que um mal não justifica outro. Amigos virão e devem ir, pois aqueles que você mais gosta não podem ficar presos, já que sentimentos libertam e não aprisionam. Perdidos e perdedores virão e devem se sentar para que ouçam onde erraram, o por quê não fazer dessa maneira. Talvez eu seja todos eles ao mesmo tempo. Talvez não seja nenhum. Apenas sei que posso ser, se eu quiser.

Mais do que na hora de inclinar-se na própria vida. Na minha vida, em mim. Não quero mais enxergar por dentro, fazer um autoconhecimento. Disso, todos nunca saberão. Ninguém sabe ao certo o que é até encontrar-se em uma situação inesperada ou extrema. Não nos reconhecemos em diversas ações, palavras, por não sabermos exatamente o que somos. Não sei quem eu sou e prefiro dessa maneira. Ou não. Quem sabe, daqui alguns dias, mude de ideia. Mal de geminiano.

Apenas, nesse ano que os 23 chegam, o desejo é ser realizado. Tudo antes estava sendo escrito, e agora está na hora de sair desse plano virtual das perspectivas. Hora de mudar, de se reinventar. 23 não pode ser um ano cabalístico, mas pode ser um ano forte, de ações, expectativas alcançadas e de realizações. Clichê é, mas pelo menos vem me consumindo interiormente esses desejos. Sábio quem disse que “Você é o valor que você próprio se dá”, e igualmente aos seus sonhos. Basta agora cantar parabéns, apagar o isqueiro no lugar das velas, comer o pedaço do tradicional bolo junino de morango. E desejar.

... pois pode se tornar real."

(Texto produzido dia 13/06/2010)