sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Desabafo de mais um fim de ano

Anos atrás eu estranharia esse sentimento, essa falta de ar que toma conta do peito vazio. Às vezes o que toma conta dentro do peito é mancha negra, que vai consumindo minuto após minuto, cada esboço de esperança. Se existe algo que eu mais confio é o que escrevo. As palavras ditas, mencionadas não podem ser apagadas com uma simples borracha. Estão ditas, é convicção, é o que naquele instante a mente sentia e o coração pensava. A união delas, as sentenças, entra como flecha, dissolve-se no peito e corrói. Ajudam apenas essa infestação negra no peito aumentar. A felicidade alheia é vista como um ataque, a ausência desse tipo de esperança, de alegria nessas épocas do ano machuca.

Por isso que sempre escrevo aos fins de ano. É a época em que todos os delírios de felicidade tomam conta de todos. Isso seria mágico, seria bonito. Mas apenas seria. Para mim não é. Não consigo ao fim de um longo ano conseguir enxergar as estrelas e as lindas renas que circulam pelo ar, em um espírito invisível. Inevitável que essa época chegue,que coisas novas venham. Aliás, seria mais do que necessário mudanças, modificações. É imprescindível. Porém, terminar um ciclo, um ano, respirar um ar novo, podre por dentro, com manchas cinza corroendo.

Comemorar festas que não são minhas. Sorrir para não ter os olhos perdidos em algum ponto baixo do horizonte. Não pediria nada demais para mim. Se Papai Noel existisse, ou algo superior a nós, que pudesse nos presentear com o que queremos, ou que nos ajude a cumprir nossas missões, nossos objetivos. Não quero ser muito depressivo, apenas quero que entendam que não posso achar mágica em uma data que apenas me deixa ainda mais descontente com o que eu fiz. Ano após ano. Um misto de arrependimento, de dor por se sentir tão vazio por procurar coisas que são extremamente distantes do que eu realmente posso obter. Talvez erre todos os anos por desejar sempre o máximo que eu puder, sem medir esforços e conseqüências. Por ser tão ingênuo ao enxergar, almejar o mais alto, sem ver a estrada que pode custar os pés. Eu deveria desejar menos.

Esse talvez seja meu erro, meu pior defeito. Talvez deva listar mais alguns, caso Papai Noel leia isso, e julgue definitivamente se ele vem ou não. Além de sempre desejar muito, eu desejo os dos outros. Infelizmente, a grama é mais bem cuidada, verde, reluzente ao lado do que por aqui. O Natal nunca me tocou. Nunca ele beijou minhas mãos, me encarou e seduziu com os olhos e disse que me queria. Profundamente, ele nunca me tocou de leve pelas costas, beijou a minha pele, me abraçou forte e pediu para que eu ficasse naquela noite. Os outros possuem isso, eu não tive. Invejo quando o Natal toca dessa maneira, invejo o ódio, invejo o amor alheio. Algumas pessoas amam tão pouco e isso parece ser o suficiente.

Defeitos múltiplos, minha habitual mudança de humor que hostiliza ainda hoje a tantos. Extremamente mimado, o que faz com que tudo que eu faço deve ser o melhor de mim e as pessoas devem ver dessa maneira. Se não o vêm, ou a partir do momento em que me torno apenas mais um em meio de poucos que foram escolhidos, tento fugir, esquecer. Um covarde, fraco, monstruoso, sofredor. Tantos adjetivos, substantivos que podem se fazer uma lista que tenho certeza que eu, de dez qualidades listadas, apenas uma me agrada, ou que pense que seja verdade.

Não sou perfeito, nem almejo ser. Mas queria pelo menos saber como é esse Natal, esse espírito que contagia a todos. Não é o Natal, o ano-novo. A cada final de ciclo, paramos nossa vida para colocar na balança as coisas que fizemos, o que alcançamos. Saúde, paz, alegria são tão relativos. Claro, esqueci mais um adjetivo: complicado. Uma mente complicada, complexa, emaranhada. Traumas, medos que daqui de dentro desse quarto escuro fazem sentido. Para outros, não mais. Antes eu passaria despercebido, agora as coisas estão expostas, minhas feridas estão ao ar, apodrecem e começam escorrer sangue velho e grosso.

Às vezes me pego no topo do mundo, olhando o horizonte, cheio de nuvens, trovões, raios em minha volta e aqui dentro de mim, com as janelas e persianas fechadas, tudo parece pior. O mundo no curvar do olhar perdido parece novo. O que permanece por esses montes não consegue deteriorar, como uma doença que te tira forças, mas não te consome. Como em um vício, dia pós dia, uso depois de uso, já fixa, invade e eu não posso renunciar. De cima, apenas o vento consegue ressoar nos ouvidos, os olhos depositados no meio das nuvens que começam a precipitar uma cortina de água, que lentamente chega ao chão, como um grande cobertor que cobre uma terra distante, mais verde, mais próspera.

Uma terra que apenas fica nos meus sonhos, no fundo dos olhos. Fins de ano me fazem pensar em como todos podem estar feliz, se apenas eu consigo ser tão miserável com minha própria vida, ou fazê-la assim. Se o sentimento de felicidade por acabar um ano se aproxima, eu me afasto dessa realização por ser tão longe de mim. Não posso comemorar os olhos cansados, as mãos que mal são tocadas, a boca franzida. Não posso reclamar da minha vida. Aliás, nunca se deve, mesmo quando escapa algo dos lábios. Fins de ano me mostram apenas o quão posso ser pequeno.

O que eu gostaria não importa mais saber, se nem Papai Noel ou o que presenteia a todos com dons e vontades puderam fazer. Mas se vale, meu presente ideal seria não ser mais um na estrada curva inevitável. Não ser uma pessoa que caminha, deixa suas marcas pelas casas ao longo da floresta mal-iluminada. Não gostaria mais sentir que tudo não é suficiente, que as ações ao longo do ano foram apenas parte da vida de alguém, enquanto, a minha própria, estou escrevendo sozinho, com uma caneta de pena cinza velha, que falha em cada traço. Como se eu em cada erro, deslizasse e não manchasse o papel.

Fins de ano representam esperança, mudanças, expectativas. Enquanto acreditava em Papai Noel, nada acabava. Quando tudo parece estar sem sentido, sem forma, a vida se repete, o marasmo acontece. Tudo novamente, como uma grande peça de teatro que se repete, ano após ano. Arrastam-se as dores, benzidos os enfermos e abençoados os que comemoram. Quanto menos se sentir, mais letal e menos doloroso. Mais sentimentos, mais mortal e mais doloroso. Natais, fins de ano são para pessoas que possuem algum traço de esperança, que confiam e esperam.

Já esperei, confiei no tempo, em mim, em o que poderia. Mas permaneço sendo o mesmo dentro das metamorfoses que eu só encarnei. Não digo de uma época, de um período. Digo por uma pequena estrada que percorri, os jardins que cuidei e que outros sentiram o doce perfume que exala a pele lisa. Menos eu. Se Papai Noel puder um dia ler o que eu escrevo, queria apenas que ele realizasse meu desejo de me dar um carro, ou talvez uma conta bancária mais recheada. Tudo bem, não adianta pedir essas coisas. E Papai Noel não existe.

Desejar uma transformação, talvez que alguém reacenda essa esperança seria também pedir muito. Daqui do topo do mundo, estou quase à mesma altura do céu, e o que eu vejo são luzes, estrelas. Todas elas brilham, e eu que parecia estar perto e poder tocá-las, apenas observo, sem luz, com os olhos apagados, desejando apenas que o peito tomado pela escuridão possa brilhar mais uma vez. Eu realmente não sinto que deveria comemorar. Eu não gosto de finais de ano. Não acredito neles nem em finais felizes. E finais felizes não existem, também.”

(Texto produzido dia 09/12/2010)